A "Redentora"



A "Redentora"


Não sei se deveria escrever essas palavras. No entanto, no meio de tantas palavras ferozes e fúteis que li, e escutei, comecei a escrever esse texto. Palavras vindas principalmente de pessoas cujo o tom da pele é próximo, ou igual, ao meu. Pessoas que tentam reescrever a história exaltando colonizadores. Esses que, divergindo do que essas pessoas pensam, não nos veriam como iguais. Porque nós somos latinos. Então, para concluir esse primeiro parágrafo, esse texto é, principalmente, para você que exalta a Princesa Isabel no 13 de Maio, e, finge que o dia da Consciência Negra não existe.

Comecemos por ela, a princesa Isabel, a filha de D Pedro II e que foi rainha regente por três vezes. Na visão de alguns, ela é como a Daenerys Targaryen (personagem da série Game of Thrones). Uma libertadora de escravos, uma revolucionária. No entanto para outros, e com razão, ela não possui essa imagem. Isso porque já havia movimentos solicitando a abolição, fora as insurreições dos africanos que foram escravizados. Lendo em algumas dissertações, infelizmente, vi narrativas românticas sobre a Princesa Isabel onde ocorreu o ofuscamento dos verdadeiros defensores de sua identidade.

Assim como na atualidade as pessoas negras lutam por seus direitos, naquele período, que não está tão distante quanto pensa-se, os povos africanos que foram escravizados também lutavam pela sua sobrevivência. Então, veja, mesmo a Isabel sendo pintada como a "boazinha", será se ela teria feito o que "ela fez" se houvesse um silêncio por parte dos escravizados e da sociedade?! Fica aí questão.

Outro ponto que quero tocar, é essa farsa da Lei Áurea. Um golpe nos escravizados, como as cartas de alforria, disfarçado de proeza. Lembre-se que o nosso país foi o último à abolir a escravidão. Lembre-se também que ao aboli-la ele simplesmente ignorou as condições em que essas pessoas estavam. Foi como se alguém pegasse um gato bebê e o jogasse num ninho de cobras. Veja, basicamente está dizendo: "se vira! Não tenho nada haver!". Entretanto, a realidade é que o Estado Brasileiro, ou melhor a elite brasileira, tinha uma ligação antiga com essas pessoas, e, no fim, os jogaram em um mar aberto e perpetuaram a desigualdade já existente. Muitos desses "ex-escravos" sem ter para onde ir continuaram trabalhando na casa de seus "senhores".

Para você aí que não está concordando e acha que sou só um "idiota querendo lacrar", como fui lindamente chamado recentemente por um eleitor e defensor do atual presidente, eu pesquisei em diversos artigos e revistas na internet. Um deles que me chamou a atenção, foi a entrevista do historiador Alencastro para a BBC em 2018. Onde ele detalha esses processos citados.

O abolicionismo se acentuou na década de 1880. Há importante liderança negra. Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, que se batiam nos tribunais e nos jornais. Esses são os heróis. Também há muita gente anônima que participou. Houve movimentos organizados para dar fuga a escravos, por exemplo. Aqui em São Paulo, havia o grupo do Antônio Bento, os Caifazes. Havia um grupo em Recife, que ajudava os escravos a fugirem para o Ceará, onde a maioria dos municípios já não tinha mais escravos desde 1884 e onde os escravocratas eram minoritários. Já o Rio de Janeiro era a província onde o escravismo era mais renitente. Em São Paulo, o oeste do Estado já estava apostando na imigração porque havia muita fuga, e a fuga é uma forma de revolta, dos escravos comprados no Nordeste. Essas ações acentuaram a crise do escravismo.

 Trouxe esse trecho para ilustrar como os negros reinvidicavam os seus direitos. Ou seja, não foi uma benção da princesa. O próximo ponto que trago — mesma entrevista — é sobre a questão da Reforma Agrária, onde haviam setores dentro do movimento cobrando por ela, no entanto, havia um alinhamento e uma força dos latifundiários. Força está que nós vemos atualmente, principalmente quando o debate gira em torno do que é e não é propriedade Indígena.
A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para trazer imigrantes que trabalhassem nas fazendas e não mexer na propriedade rural. Essa virada dos republicanos jogou Nabuco, Rebouças e outros no escanteio e os fez apoiar a monarquia até o fim.

Aqui é possível observar uma força que persevera até a atualidade e que persegue movimentos como o MST, e, que é uma das responsáveis pela desigualdade nesse país.

Voltando ao começo da questão: a lei Áurea não foi um presente de fada e a Princesa Isabel não foi Daenerys Targaryen. No fim, todas as vezes que nos ensinaram a sorrir para o 13 de maio nas escolas é uma verdadeira piada de mau gosto para com os povos negros. E, toda vez que você pensar na Princesa Isabel como "a Redentora", olhe para o cenário atual do Brasil e se pergunte: por que parece que a Casa Grande e a Senzala ainda existem sob novas vestes?. 



Victor dos Anjos

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