ÁRVORE DE INVERNO

          Já passava das dez, e seu marido não chegara. Ultimamente estava chegando muito tarde em casa, mas dessa vez havia ultrapassado todos os limites. Felipe andou de um lado para o outro, em um apartamento de oito cômodos. Sentia-se nervoso, preocupado, talvez obcecado, por não saber onde seu companheiro havia se metido.
          Chegaria cambaleante? Ou com um cheiro tônico em sua boca, em seu corpo? Ou andando normalmente? Ou mentindo debilmente? E havia mil e uma outras opções, as quais Lipe pensou. Encaminhou-se a sala, delicadamente encarou o telefone, que retribuía o olhar, chamando-o para teclá-lo habilmente e estancar (ou não) a sua preocupação. Chorou muito, não queria fazer isso, todavia, ele aceitou o flerte do eletrônico e começou a teclá-lo, discando nervosamente o número do seu amor.
          Foi dada a largada, veio o 1º bip, o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto, …, até que a chamada caiu na famosa Caixa Postal. Sentia-se vazio, como uma árvore, que fica vazia do outono para o inverno, sem sua folhagem, sem sua cor.
          Ele estava com remorso, por não ter participado daquele lindo movimento feminista já que seu marido não aprovava, não tinha ido a paradas LGBTs, nem lutado contra a exploração na África Subsaariana; tinha tudo e não tinha nada, estava com seus 27 anos e seu companheiro com 28, mas este número cardinal não correspondia a sua idade real. Ele estava morto, porque somente os rebeldes estão vivos, conscientes de si.
          Neste instante, de um devaneio no imaginário, seu marido chegou. Marcos estava visivelmente embriagado, vinha dele um cheiro forte e marcante, seu cabelo curto e liso estava desordenado, sua camisa social branca tinha alguns botões abertos, seus sapatos e sua calça social estavam normais, eram os únicos normais em um corpo perdido. Rapidamente ele atravessou a sala, olhou para Felipe, fez um breve aceno e seguiu em direção ao quarto.
          Felipe segui-o, estava como um verdadeiro complexo sentimental, era uma fusão de alegrias, tristezas e tudo mais. Marcos sentara-se na cama, trazia as mãos ao rosto.
---- Marcos, precisamos conversar! Disse Felipe, sem entusiasmo algum.
---- Sim Felipe, temos. Mas não pode ser outra hora?! Estou quebrado. Falando
isso Marcos deitou-se na cama.
          Obviamente, Lipe saiu do quarto, suas esperanças agonizavam, sua voz havia sumido, não tinha conseguido nada. Aquela conversa, com toda certeza, foi a pior que tiveram.
          E a pior parte é que o amava, não sabia como, mas tinha uma enorme parte de seu coração que o amava, delirava-se ao vê-lo. Simultaneamente a morte de suas esperanças, vinha também a esperança por mudança. Algo que estava esperando já a bastante tempo, e não tinha cansado de esperar. Casados há 5 anos, morto em 5 anos, esperanças de 5 anos.
          Felipe estava verdadeiramente confuso, por que estava agindo assim? Essa pergunta que se fazia nem o próprio não sabia responder. Tinha voltado à sala, queria está no quarto com seu marido. Mas para quê? Para sentir-se o cara que vai salvá-lo após uma noite quase romana de homenagem a Baco? Não tinha que ser assim, pensou. E voltou ao quarto.
---- Marcos, precisamos conversar! É SÉRIO!
----Felipe, meu amor, estou cansado, seja o que for não pode esperar até
amanhã?! É sábado se lembra? Não vou trabalhar e …
---- Seja homem ao menos uma vez! Seja franco, pelo menos comigo! Somos
casados, e parece que somos amigos coloridos.
----Lipe, eu… não sabia que se sentia assim. Não estou traindo você se é o que
pensa. É que… você não entenderia.
---- Você que não quer explicar! Como eu posso entender?!
          Ao falar isso a Marcos, Felipe saiu do quarto com passos determinados. Atravessou o corredor, e aconchegou-se no sofá. Marcos foi atrás, sentou-se próximo dele, cheirou seu pescoço e seu cabelo. Acabou sendo uma falha tentativa de reconciliação, Lipe afastou-se ao ponto de sair do sofá e ir à
poltrona.
---- Eu não quero sexo Marcos! QUERO VERDADES!
---- Só estou lhe fazendo um carinho! Isso não é sexo!
          O silêncio invadiu o ambiente, Marcos voltou a tentar a sua reconexão corporal, dessa vez conseguiu. Eles envolveram-se em um movimento lingual contínuo, as únicas pausas eram respiratórias. O mundo girou na cabeça de Felipe, e a única coisa em que focava era na perfeição escultural de Marcos. As vestes iam caindo, a pele nua uma com a outra. Os cabelos eram puxados, os pescoços mordidos, quando Lipe deu conta já estavam na cama do quarto, e ainda não haviam chegado ao êxtase. Sons ali, acolá; arranhões e beijos.
          Amanheceu, e a luz do sol atravessou o furo no fumê da janela, vindo atingir o rosto de Felipe. Ele, por sua vez, acordou e levantou vagorosamente. Seu estado era terrível: cabelo bagunçado, marcas no corpo (principalmente no pescoço), as roupas faltando. Seu companheiro, dormia ao lado, não estava em um estado melhor. Ainda podia-se sentir o cheiro do álcool em seu corpo.
          Enquanto observava aquele corpo embriagado, lembrou-se de algo que sua mãe dissera antes dele casar-se: “Sempre olhe o telefone por mais que ele pareça ser de confiança.”. Seu coração vibrou, em um ritmo ao ponto de ultrapassar a carne em seu peito. Pegou o celular dele, estava na escrivaninha do quarto, entrou no WhatsApp e descobriu um número estranho, que chamava seu marido de gostoso e outras palavras mais picantes.
          Diferente do imaginado ele não explodiu de ódio, deixou Marcos continuando seu sono profundo. Foi a sala, arrumou-se, tomou um gole de café e sentou-se no clássico. Respirou e pensou. Por que tinha se casado mesmo? Por que precisava desse homem? Por que continuava com esse homem? Ele tinha algo em especial? Ele dependia dele financeiramente? Psicologicamente?Fisicamente? Sua vida estava atrelada a dele? Para todas as perguntas foi uma negativa sem fim, que parecia mergulhar em um caos infinito, o mesmo caos em que se encontrava o mundo, o Brasil, os direitos humanos.
          Gostava de reflexões, e mais ainda de soluções. Percebeu que para ser, as vezes deixa-se de ser. Uma árvore de inverno não é uma árvore triste ou sombria, é uma árvore rebelde, que abandona as folhas em busca da beleza dos próprios galhos. Aí ela volta a florir, após pensar minunciosamente em
cada aspecto de sua longa vida. Lembrou-se de um desenho que assistia, e que um episódio dizia o seguinte: “todo fim é um começo, e todo começo é um fim”. Perdeu-se nesses pensamentos, para que pudesse ganhar verdadeiramente na vida.
          Felipe levantou-se do sofá, pegou sua carteira e celular, abriu a porta, e caminhou em direção as novas marés.





Victor dos Anjos

P.S.: Escrevi essa narrativa por volta de outubro/novembro de 2017.

Twitter: @VdAnjosOficial
Instagram: @victordosanjosoficial

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